Wednesday 7 October 2015

ENCANTAÇÃO


O vidro da janela estava frio. E uma brisa penetrante chacoalhava aquela frágil estrutura. Do lado de fora, reuniam-se os corvos, grasnando e grasnando... a ponto de sorverem todo o ar ali ruidoso enquanto circunvi(zinhav)am a velha casa da fazenda; pousariam em seguida nos pinhos. Os galhos balançavam para trás e para frente. Ana contemplava a égua castanha abrigada sob as árvores. A quietude dela impelia a um calafrio estranho, impertinente, e Ana, cruzando os braços resoluta, foi sentar-se de novo perto do fogo. As brasas estalavam. Mansamente. E Ana as espetava, atiçando as chamas. De então que, tirando do bolso um rosário, a mulher cantarolava baixinho o seu encanto, enquanto ia caindo no sono.

Ellen se acomodou no tapete surrado. A porta da sala de brinquedo abria-se em fendas. Ao fundo, tique-taques. Ela tão só erguia os olhos e tentava reparar, através de uma meia abertura de porta, na avó que descansava o rosto naquela almofada de crochê. Agarrada a uma boneca, Ellen não tirava os olhos dos pesados olhos da avó sobre aquela almofada, descansando, pois que a avó ali, com mãos rezadeiras. As contas do rosário, em marrom e dourado, continuavam em seu colo. Diante daquela criatura maternal sibilando em vigília, Ellen sentiu, num súbito, palpitar amor sem-fim. As brasas chamuscavam. E brilhavam. Um jornal amassado sobre as nódoas de carvão na lareira, e ela sentia crescer um amor sem mácula, ao passo que ia apertando tanto mais a boneca, agarrando-se a ela, que... O dia reluzia, como se mágico, glorioso, absorvendo tudo, inclusive Ellen. Era como se cada linha do tapete, cada forma ali tecida em miríades de tonalidades compusesse algo mais imenso ainda que a eternidade daquele momento, e dela mesma. Olhou, enfim, novamente para o relógio, cujo vidro espelhava seu rosto, e então ela mesma se espelhava através do tempo.

(traduzido por Carol Piva)






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